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REVISTA TRIMENSAL

DE

HISTORIA E GEOGRAPHIA

OU

JORNAL DO INSTITUTO HISTORICO GEOGRAPHICO

BRASILEIRO.

N. 11. OUTUBRO DE 1841.

LEVANTAMENTO EM MINAS GERAES NO ANNO DE 1708.

(Extracto da Vida do Padre Belchior de Pontes, escripta pelo Padre Manoel da Fonseca, Jesuitas, e naturaes de S. Paulo. Impressa em Lisboa no anno de 1752.)

CAPITULO 33, PAG. 202.

Sendo do ordinario as guerras civis o açoute, com que Deos castiga aos povos, não será muito de estranhar que aos peccados dos moradores das Minas se attribuam as guerras, que entre si tiveram, tão celebres e decantadas com o appellido do levante dos Embuábas contra Paulistas. Haviam dez annos que se tinham descoberto aquelles thesouros da natureza, e com a fama do ouro tinha concorrido tanto povo, não só de S. Paulo e de todo o Brasil, mas passando além do mar a noticia de tão precioso metal, se abalaram tambem os Europeos com tal empenho, que nestes breves annos achavam já naquelles até então incultos sertões, e só habitados de feras e gentios, grandes povoações de Portuguezes. Não havia entre elles lei, que os obrigasse a viver sujeitos, e só com uma livre escravidão se sujeitavam todos aos seus vicios.

se

Reinava entre tanta abundancia de ouro a luxuria, e es

OUTUBRO.

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lava estabelecida com lei inviolavel pena de morte a todo aquelle que, sem attenção ao mau estado do seu proximo, se atrevesse a violar o thalamo da concubina, bastando para a execução de tão iniqua lei pequenos indicios; e quando o offendido se prezava de pio, chegava a condemnar a açoutes o transgressor, como se fôra escravo, tendo a fortuna de escapar algum por justos respeitos. Acompanhavam a este monstro os continuos roubos, os homicidios, as injustiças, e finalmente tudo aquillo. que costuma haver naquelles logares, onde ha falta de homens virtuosos, que com seu exemplo excitem aos mais a viver como christãos, e o temor das justiças, que com castigo determinado pelas leis obriguem, se não a obrar bem, ao menos a fugir do mal.

Não faltavam com tudo alguns poderosos, que usurpando a jurisdicção, que não havia naquelles lugares se intromettiam a fazer justiça prendendo em um circulo, que com um bastão faziam ao redor do delinquente, impondo-lhe logo pena de morte se sahisse delle sem satisfazer a parte que o accusava. A mesma pena se impunha muitas vezes aos devedores, para que pagassem: e se acaso entre o juiz e o réo haviam contas, esquecia-se o juiz da de diminuir, querendo receber por encheio o que lhe pertencia, reservando para a occasião de melhor commodo a satisfação do que lhe pediam de desconto e o peior era que destes juizes não havia appellação ainda que havia tanto aggravo. Eram os complices mais frequentes destes delictos os Paulistas; porque como viviam abastados de Indios, que tinham trazido do sertão, e de grande numero de escravos, que com o ouro tinham comprado, se fizeram notavelmente poderosos, chegando alguns a tanta soberania, que fallando com os forasteiros os tratavam por vós, como se fossem escravos; e por isso eram delles maiores as queixas, ainda que em grande parte nasciam dos Mamelucos, que tinham em casa, sem que talvez chegassem á noticia dos amos os seus desmanchos.

Dava occasião a estes insultos o ordinario modo de viver daquelles tempos; porque como o intento de muitos, principalmente Europeos, era adquirir naquelles lu

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gares o que haviam de gastar nos povoados, entravam como Jacob peregrinos, e encostados a um bordão, o qual, ainda que lhes servisse para o allivio do corpo, de nada servia para a reputação da pessoa, a qual só pendia em tempos tão mal ordenados do estrondo das armas, e multidão dos pagens. Advertiram neste descuido algumas pessoas, e entre ellas um Religioso Trino, cujo solar era a illustrissima casa de Aguas-Bellas, e condoidos dos muitos aggravos, com que viam ultrajados muitos homens de bem, começaram a persuadir aos sujeitos, que tomavam o officio de conduzir escravos, que d'ali por diante entrassem com elles armados; para que, indicando o lustroso das armas o esplendor da pessoa, se evitassem os desatinos, que semn remedio tanto se lamentavam. Como esta doutrina se fundava na experiencia, pois se tinham por grandes e de respeito os que tinham quem os fizesse respeitados, começaram d'alli por diante a entrar armados, e a fazer-se poderosos, adquirindo com os cabedaes o respeito, de que tanto necessitavam.

Neste miseravel estado se achavam aquellas povoações, vivendo todos misturados, mas desunidos; e querendo Deos castigal-os, permittiu que no arraial do Rio das Mortes matasse um Paulista a um forasteiro, que vivia de uma pobre agencia. Como os animos estavam tão mal dispostos, e eram continuos os aggravos que recebiam os forasteiros, determinaram unidos vingar com o titulo do morto as proprias injurias; e ainda que com diligencia procuraram ao matador, com tudo elle, ou estimulado da propria consciencia, ou porque o reservava o Céo para algum destino de altissima providencia, se ausentou com tal pressa, que o não puderam alcançar. A este, ao parecer, pequeno accidente se ajuntou outro, com o qual se perturbaram as Minas; porque estando no adro da igreja do arraial do Caeté Jeronymo Pedroso e Julio Cesar, naturaes de S. Paulo, succedeu passar acaso um forasteiro com uma clavina, e querendo elles tomar-lh'a, o descompuzeram brotando naquellas palavras, que submiministra a colera falta de razão.

Bem sei que o auctor da America Portugueza, infor

mado deste caso, escreveu que elles a queriam furtar mas eu não me atrevo a pôr este labéo em sujeitos, a quem o nascimento deu mais altos brios. Bem póde ser que na casa de algum delles faltasse alguma clavina, que fosse em tudo similhante, e que o forasteiro a comprasse ao mesmo que a furtou mas de qualquer sorte que fosse o caso, o certo é, que estando presente áquelle acto Manoel Nunes Vianna, forasteiro poderoso, e conhecendo a innocencia do injuriado, lhes estranhou o meio e o modo com que queriam haver a arma. Como estavam alterados os animos, seguiram-se os desafios de parte a parte, ainda que por então com alguns pretextos se tornaram a rejeitar pelos dois aggressores. Mas como ficou mal apagada aquella faisca, começaram os dois a ajuntar armas, e a convidar os parentes, para que com novo desafio satisfizessem a colera, e ao desar, com que no seu parecer tinham ficado.

Fez-se esta junta com tão pouco segredo, que chegou logo á noticia dos forasteiros, que habitavam os arraiaes do Caeté, Sabarabuçú, e Rio das Velhas, os quaes julgando a offensa de Manoel Nunes Vianna, a quem tinham por protector, como injuria commum, e suppondo que com a sua vida perigava a de todos, caminharam a soccorrel-o, armados e dispostos para qualquer assalto; e bastando esta determinação para que os contrarios mudassem de opinião, e mandassem dizer a Manoel Nunes Vianna que queriam viver em paz e boa correspondencia com os forasteiros, com tudo passados poucos dias um novo accidente os tornou a perturbar de sorte que nunca mais se uniram; porque matando um Mameluco a um forasteiro, que vivia com a agencia de uma taberna, se acoutou na casa de Joseph Pardo, Paulista de respeito e poderoso, o qual ainda que teve lugar para dar fuga ao matador, não pôde socegar a furir dos que o buscavam enfurecidos, que não attendendo nem ás razões, com que o quiz persuadir que não estava em sua casa o matador, nem á lembrança da concordia pacteada naquelles dias, lhe tiraram a vida.

Com este mau successo se tornaram a unir os Paulistas, ajuntando armas, escravos, e parentes; e feita uma

assemblea pelos fins do mez de Novembro de 1708, sc espalhou uma voz, a qual affirmava que nella se tinha determinado passar a ferro em o dia 15 de Janeiro do anno seguinte a todos os forasteiros que vivessem em qualquer arraial pertencente ás Minas. Apenas correu esta voz, quando os moradores do Caeté, Sabarabuçú e Rio das Velhas, sem mais averiguação da verdade, fundados sómente nos desastres passados, se uniram entre si, e buscando a Manoel Nunes Vianna o elegeram. por Governador de todas as Minas, em quanto S. M. não mandava sujeito, que exercesse aquelle cargo. Acceitou elle o posto, е não tardaram enviados das Minas Geraes, Ouro Preto, e Rio das Mortes, os quaes saudando-o com 0 mesmo appellido de governador, The pediram soccorro; porque naquellas partes se achava com muitas forças o partido dos Paulistas, e não deixavam de executar as mesmas insolencias, com que até então tinham vivido.

Partiu logo para Minas Geraes o novo Governador, e com a sua chegada pôz em segurança aquelle partido, mas tendo noticia que no Rio das Mortes eram continuos os insultos, por viverem naquelle arraial poderosos Paulistas, e que os forasteiros tinham chegado já quasi á ultima miseria, estando reduzidos a um pequeno reducto de fachina e terra, que para sua defensa tinham fabricado, lhes enviou a Bento de Amaral Coutinho, natural do Rio de Janeiro, com mais de mil homens valentes e bem armados. Executou elle a ordem, e bastou chegar ao Rio das Mortes para que ficassem livres do perigo aquelles miseraveis. Aquartelou-se no mesmo lugar com a gente que levava, e tendo noticia que pelos lugares vizinhos vagueavam alguns Paulistas com animo de vingança, fez diligencia para colhel-os, ainda que sem effeito, porque elles toda a pressa se retiraram para S. Paulo.

Sabendo porém que em distancia de cinco leguas se achava um numeroso troço de Paulistas destemidos e bem armados, mandou contra elles um destacamento de muitos homens, á obediencia do capitão Thomaz Ribeiro Corso, o qual ainda que chegou a vel-os, com tudo receando.

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