areaes muito extensos, se fazem todos os annos muitos mil potes de manteiga dos ovos das tartarugas, que n'elle vão desovar; e necessitando-se para cada pote para cima de cem ovos, quanta quantidade será precisa para cinco e mais mil potes? D'esta abundancia de tartarugas se póde argumentar para o mais.

Posto que da parte do Sul vá desde a barra do Tapajoz até á do rio Madeira para cima de 450 leguas com muitos e mui fartos e alegres rios, não ha em tão grande districto povoação alguma, nem de Portuguezes, nem de Tapuya aldeado e christão: só ao rio Magué poderão ter concorrido alguns mineiros, por razão das novas minas de ouro que lá se descobriram. Tem o rio Madeira na sua boca uma povoação de Indios chamada antes a Missão de Abacaxix, e depois elevada e nobilitada com o titulo de Villa-de Serpa. Foi uma das mais populosas de todo o Estado, e se podia chamar uma cidade de gente: tinha muita casaria, feitas as suas moradias ao modo do mato, muito grandes, e cada casa d'estas tinha para ema de cem cabeças. Estava antes sobre um grande lago, onde havia muita abundancia de pescado. Era abundantissima não só de fructas proprias do paiz, mas tambem de muitas Europeas, especialmente de espinho, pela boa direcção e util agencia de um seu Missionario Jesuita, chamado João de S. Paio, e ainda hoje se chama o Largo de S. Paio. De tão florente e grandiosa, se toi pouco a pouco diminuindo, ou já por ser pouco sadia a sua situação, como alguns já diziam, sobre o lago antigo, o que os motivou a mudarem-na; ou porque muito desassocegada com o serviço dos brancos: ou por serem os Indios seus moradores tão mortaes, que rara vez faziam viagem á cidade, que lá não morressem alguns. E houve occasião em que na cidade morreu toda a equipagem de 25 Indios, sem escapar ao menos um para contar da tragedia. Comtudo ainda no anno da promoção á villas estava populosa, pelo que mereceu o nome de Villa de Serpa; porém quando com elle se devia augmentar e crescer, The succeden tanto pelo contrario, que logo no anno seguinte de 58 se achou tão destruida, que bem merecia o elogio do Mantuano á arruinada Troia Campus ubi Troia fuit, porque apenas se contavam 5 Indios: n'isto veio a parar aquella grande povoação, que sem lisonja se podia intitular cidade!

Pouco acima da boca ou foz tem o rio Madeira a povoação antes chamada a Missão de Trocano, e hoje Villa de Borbanova, e foi a primeira que subiu a este illustre titulo bem merecido pelo sitio e paragem em que está. porque é a primeira rio aba xo dos Dominios Portuguezes, e por isso tambem a primeira que encontravam os mineiros descendo das minas de Mato Grosso O intento de a fazer villa (ainda então o não havia sobre as outras Missões) era o fazer alli monopolio e contagem do ouro, que traziam os mineiros, para que pelo decurso da viagem não tivesse descaminho; e para esse effeito se pôz lá um official de guerra com seu presidio de sollados, e se mandaram aggregar algumas familias de Portuguezes, dos quaes, e de alguns Indios mais graves, se elegeram camaristas e magistrados. Além d'isto se pôz escola publica de ler e escrever, ainda para as meninas Indias; e com esta direcção e vigilancia ia crescendo a villa a uma grande povoação de Indios, com grande conveniencia a todo o Estado, e ainda aos mesmos mineiros de Mato Grosso, pois sem necessitarem de continuarem mais viagem até o Pará, alli se podiam prover de todo o necessario. Todos estes projectos porém se desvaneceram em breve, por causa de outra povoação, que se fundou mais acima, como logo diremos: comtudo ainda Borbanova póde crescer, e ter grandes conveniencias.

Depois das catadupas do rio Madeira, de que demos noticia na 1.a Parte, estão fundadas nas suas margens de Oeste algumas Missões, e são as primeiras que por esta parte tem os Jesuitas Hespanhoes confiuantes com os Portuguezes. São muito populosas estas Missões Castelhanas, por não terem as pensões das Portuguezas na repartição dos Indios aos brancos, e ausencias de suas casas. Vivem pois muito descançados, com muita paz e socego, sem os inconvenientes, disturbios, e diminuição dos Indios do dominio Lusitano; o por isso descem sem difficuldade muitos outros do gentilismo, porque não tem a remora de haver de ir servir aus brancos. Como estão senhores de si, nas suas povoações aprendem varios officios, e fabricam finissimas e preciosas telas de algodão, contas de coquilho lavradas e torneadas com muita industria, mestria e fineza; e muitas outras manobras de igual primor e estimação, que em certo tempo do anno costumam levar e

feirar á cidade de Santa Cruz de la Sierra, onde tem muitos compradores. Do bom governo e economia d'estas, e das mais Missões e povoações Castelhanas, diremos adiante, depois de descrevermos as Lusitanas, navegando rio acima.

Como esta catadupa do rio Madeira é tão difficil e innavegavel, ainda na maior enchente do rio, com grande descommedo e incommodo dos mineiros do Mato Grosso, e mais minas, e de todos os mais navegantes, que para a passarem se vêem precisados a desembarcarem todas as suas fazendas e viaticos, e passarem tudo por terra à força de braço, e puxarem tambem por terra as canoas com summo trabalho, em que gastam e consomem muitos dias, fazendo de espaço a espaço tijupares ou palhoças, tanto para pernoitarem, como para secarem e defumarem as fazendas e viveres, no que fazem demoras de muitas semanas; e por outra parte a navegação d'este rio é tão importante aos mesmos: accordaram os moradores do Mato Grosso, e os mais interessados, de fazer e fundar n'aquella paragem uma nova povoação e villa, em que houvesse homens abonados com boas fazendas, e todos os meios necessarios de cavalgaduras, carretas, e canôas para a boa serventia e communicação de uns e outros. Porque á esta villa poderiam acudir todos os mineiros a fazerem as suas provisões, e com brevidade voltarem, sem as trabalhosas remoras e demoras da catalupa, e sem os grandes inconvenientes da continuação da viagem até o Pará. Por todas estas e outras muitas conveniencias a todos os moradores dos dous respectivos Governos Mato Grosso e Pará, e ainda para muitos outros mineiros de outras Capitanias, especialmenie das minas de Cuyabá, que apenas distaráō 8 dias, se deu principio á sua fundação em 1757 com as providencias necessarias á diligencias e direcção de um Ministro Regio, beneficiando terras, erigindo moradias, e expedindo estradas, para o que concorreram os primeiros fundadores com os seus negros e viveres necessarios, até a colheita dos novos, cuja boa disposição póde servir de exemplar aos que quizerem fazer novas povoações, facilissimas n'aquelle Estado; e seriam utilissimas se á imitação d'esta fundassen outras nas catadupas do rio Tapajoz, Xingú, e principalmente do rio Tocantins, para facilitar a sua navegação para a serventia das muitas minas semeadas nas cabeceiras d'este rio, cujos moradores padecem

grandes difficuldades, e fazem excessivos gastos na trabalhosa, e dilatada jornada pelos caminhos de S. Paulo, e outros. Passado da banda do Sul o rio Madeira, e dilatadas margens do rio Amazonas até o rio Javary em distancia de 200 ou mais leguas, não ha povoação alguma, nem de brancos, nem de Tapuyas mansos, ou Missões, mais que no rio Solimões umas duas ou tres de pequena monta, administradas pelos Religiosos Carmelitas calçados. E fica tanto espaço de excellentes terras todo solitario por falta de povoadores, com paragens optimas para se erigirem grandes cidades e ricos. reinos: e entretanto espaço ha caudalosos e ricos rios, como é o rio Puruz, tão grande que tem para cima de 30 dias de boa navegação; porque não tem as trabalhosas catadupas dos mais: comtudo está todo despovoado, e só nas suas caberetras dizem haver grandes manadas de gado vaccum, signal certo de haver lá algumas povoações de Europeos Hespanhoes do grande Imperio do Perú.

Da parte do Norte estão nas bocas dos rios Urubú e Seracá duas pequenas Missões administradas pelos Religiosos de Nossa Senhora das Mercês, reliquias de innumeravel multidão de Tapuyas e povoações, de que estavam cheios aquelles rios; tantas, que só em um queimaram de uma assentada os Portuguezes 700 aldeas populosas, como já dissemos; de sorte que antigamente se chamava o Reino de Urubú: nas bocas d'estes dous rios estão aquellas dilatadas e famosas praias ou areaes, em que desovam innumeraveis tartarugas, e de cujos ovos se fazem em todos os annos muitos mil potes de manteiga, e se embarcam muitas tarturugas. Acima d'estes dous rios segue-se o grande Rio Negro com sua fortaleza na boca, e algumas povoações, que deixamos reservadas para outro caderno.

FIM DA PARTE SEGUNDA.

Interrompe-se por ora a publicação d'este escripto do Padre João Daniel, pela necessidade que temos de dar á luz outras Memorias de maior interesse; e tornaremos ao Thesouro do Maximo Amazonas quando tivermos folga na Revista para as outras partes que devem ser pvblicadas.

(DO REDACTOR DA REVISTA).

MEMORIA

SOBRE AS NAÇÕES GENTIAS

Que presentemente habitam o Continente do Maranhão: analyse de algumas tribus mais conhecidas: processo de suas hostilidades sobre os habitantes: causas que lhes tem difficultado a reducção, e unico methodo que seriamente poderá reduzil-as. Escripta no anno de 1819 pelo Major Graduado Francisco de Paula Ribeiro,

(Continuada da Revista n. 11 pag. 322.)

IMPORT NIA GERAL DOS GENTIOS DA CAPITANIA, SEGUNDO A APPROXIMAÇÃO FEITA POR VERIDICAS INFORMAÇÕES.

74. A familiaridade que tivemos com os Macamekrans, ou ainda com os outros selvagens, que elles traziam prisioneiros de Oeste, nos faz capacitar, que segundo suas relações ouvidas em separado por differentes interpretes, exigi las sagazmeute por nós, e combinadas, que só n'esta parte da Capitania do Maranhão, entre o Tocantins e toda a fronteira povoada, vivem mais de oitenta til almas gentias, nunca descendo de mil qualquer das suas povoações. Só a tribu Macamekran tem perto de quatro mil. Se felizmente fossem sempre executados, com o espirito que n'elles se contém, os decretos do nosso Soberano, estamos bem persuadidos, pelo que diz res peito a esta gente, que nada seria tão vantajoso como ganhar para o Estado, por qualquer forma que fosse, este soffrivel numero de vassallos, provindo-nos d'aqui duas utilidades de conhecida attenção.

1.a

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Evitar que um dia, sobjamente illustrados pela mesma nossa communicação dilatada, pela dos escravos fugidos que entre si admittem, pelo grande conhecimento que já tem das poucas forças dos nossos sertões, e do modo tardio e irrisorio com que estes as reunem para defen ler-se, façam tambem commum os seus interesses e incorporados levem de a salto toda a Capitania até ás portas da capital, unico ponto que póde apenas resister lhe, porque reconcentra em si toda essa