CAPITULO I Os afamados serões de Portugal A descoberta do Oriente e o commercio com a Italia, trazem o silencio dos poetas palacianos. - Sá de Miranda, Garcia de Resende, Duarte da Gama e João Affonso de Aveiro, descrevem a dissolução da côrte, em que o mercantilismo substituia a galanteria. Intrigas amorosas no paço. Dom João 1 e o Conde de Castanheira. · - Os Infantes D. Luiz e D. Duarte poetas. — João de Barros tambem cultiva a poesia de Cancioneiro. - A rainha Dona Leonor, viuva de Dom João 11, é que anima a côrte de seu irmão. — Gil Vicente refere-se aos poetas que no seu tempo floresceram na côrte. - Satyra contra os que usavam Cancioneiros manuscriptos. -Enumeração dos Cancioneiros manuscriptos do seculo xvI. A influencia da poesia hespanhola tinha fatalmente de exercer-se sobre nós, apezar da fascinação da Renascença da Italia; no fim do seculo xv a Hespanha vira-se livre do poder mussulmano, e com a descoberta da America tornára-se a suprema nação da Europa. El-rei Dom Manoel, casando com tres princezas de Castella, tornava a lingua hespanhola a expressão da cortesia palaciana. Mas a proximidade do mar, as formosas barras da costa de Portugal, foram mais fortes, libertando-nos não só da subserviencia poetica, mas desmembrando de Hespanha esta nacionalidade, dando-lhe uma vida propria. Portugal com a descoberta da India, ficou como a Hespanha uma das grandes potencias do seculo XVI e assignalou a sua vida historica no mundo. A consciencia da nacionalidade portugueza começou n'este periodo de conquista; sentiram-na primeiro aquelles escriptores que visitaram o estrangeiro, (Resende, Goes) e veiu tomar a sua fórma eterna em Camões. Emquanto dependiamos espiritualmente de Hespanha, a influencia do meio material forçava o territorio do littoral a uma vida propria. Esta contradicção caracterisa a poesia da côrte de el-rei Dom Manoel; quando começou a restabelecer-se a harmonia, a fecundidade da nação foi esterelisada com a dura reacção contra as ideias da Reforma, de 1516. É por isso que nós vêmos Sá de Miranda, em uma Carta escripta depois de 1527, queixar-se do instincto mercantil e do demasiado interesse das riquezas da India e Brazil, que davam o ultimo córte na galanteria cavalheiresca: Os mômos, os Serões de Portugal Tam falados no mundo, onde são idos? (1) O motivo da decadencia dos Serões do paço é conhecido pelo caracter selvagemente fanatico de Dom João III; falta só determinar a extensão d'esses certâmes poeticos, e penetrar por elles a vida intima de uma côrte que monopolisava em si a existencia da nação. Os poetas que andavam nas expedições e conquistas de além-mar, escreviam para o reino perguntando com saudade por novas dos Serões do paço. Garcia de Resende, mandando noticias de Almeirim a Manoel de Goyos, que estava por Capitão na Mina, escreve com tristeza: (1) Historia dos Quinhentistas, p. 12, 82. Está já certo na mão em despachos e conselho, Um dos mais afamados galanteadores de serão, era o velho embaixador Pero de Sousa Ribeiro; elle era apodado por isso mesmo: No serão e no terreiro Na citada Carta de Sá de Miranda, o poeta lembra-se com saudade dos bons motes de Dom João de Menezes, Conde de Tarouca; tambem Ayres Telles de Menezes, mandando uma trova ao Conde de Vimioso « um dia que falou á senhora Dona Joanna Manoel, n'um serão da quaresma» lembra-se pesaroso do Conde: Canc. ger., t. II, p. 574. (2) Ibid., p. 223. Oh que ditoso falar Oh alma de D. João, quanta pena que terás. (1) Como Ayres Telles, os poetas aulicos Francisco Mendes de Vasconcellos e Ruy de Figueiredo o Potas, abandonaram a côrte para se meterem frades; Vasconcellos exclama: Lá gostae vossos serões, lá guardae vossos amores. (2) Em umas trovas que fez Garcia de Rezende «por mandado de el-rei... para um joguo de cartas se jogar no serão » fazendo o deslouvor das damas, escreve com duro remoque: Para vós não he serão dança, nem baylo mourisco..... (3) No deslouvor dos homens, tambem os fere com o achaque de não saberem figurar n'um serão: De mula e de cavallo que eu já não posso calal-o. Porque vindes ao serão, andaes mui longe de França. Nos versos de Affonso Valente contra Resende, toca o ridiculo a que se expunha o chronista nos serões: As principaes damas que frequentavam os serões do paço, aonde davam motes aos cavalleiros, suscitavam os apodos, e sentenciavam nas questões de amor, eram principalmente: Dona Leonor da Silva, Dona Camilla de Sá, Dona Margarida de Mendonça, Dona Guiomar de Menezes, Dona Maria Manoel, as filhas do Conde Prior, Dona Maria Henriques, Dona Joanna de Mendonça, Dona Joanna Manoel, Calataud, Figueiró, Dona Mecia da Silveira, Dona Maria de Menezes, Dona Mecia de Tavora, e a incomparavel prima de El-rei Dom Manoel, Dona Joanna de Vilhena, amada por Bernar (1) Canc. ger., t. ш, p. 643. |