RELATIVOS Á EXHUMAÇÃO DOS OSSOS DE ESTACIO DE SÁ, FEITA POR DELIBRAÇÃO DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRASILEIRO. SENHORES. O magnanimo principe que nos honra com sua presença e que tão dedicadamente protege este Instituto, incumbiu-me como sabeis do honroso e para mim nunca assaz apreciado encargo de dirigir a exhumação dos restos mortaes de Estacio de Sá 1.° governador do Rio de Janeiro. Desejando elle obter um resultado exacto debaixo de todos os pontos de vista possiveis, determinou-me que de commum accordo com o meu collega o distincto professor de medicina legal, o Sr. Dr. Francisco Ferreira de Abreu, fizessemos todas as pesquizas necessarias para chegarmos ao fim desejado. Seu decreto foi religiosamente cumprido e hoje aqui estamos para apresentar-vos o resultado de nossas investigações. ESTADO EM QUE ESTAVA A SEPULTURA NO ACTO DA EXHUMAÇÃO. A sepultura de Estacio de Sá estava bem demarcada na capella-mór da igreja de S. Sebastião do Rio de Janeiro, por uma lapida na qual estava exarada a seguinte inscripção: AQVI IAZ ESTACO D Por baixo d'esta inscripção viam-se as armas de sua casa. A lapida tinha a fórma de um paralellogrammo rectangular, era de granito, e das dimensões seguintes: comprimento nove palmos, largura quatro e espessura pouco menos de um palmo. Collocada na capella-mór tres palmos distante do 1.° degráo do altar principal, a recta que passasse pelo meio de sua largura confundir se-hia com a que dividisse a igreja em duas partes lateraes e iguaes. Ao lado esquerdo de quem olhasse para a lapida com o fim de ler a inscripção, os religiosos capuchinhos tinham mandado collocar tres taboas grossas de pinho, que formando angulos rectos com o lado correspondente da pedra estavam dispostos obliquamente, formando um plano inclinado e ascendente para a esquerda. O solo que cercava a lapida tinha sido cavado previamente para proceder-se á remoção da pedra na largura de um palmo e na mesma profundidade, pois que tanto foi mister para des cobril-a em toda a sua espessura. EXHUMAÇÃO. Os religiosos capuchinos, os membros do Instituto Historico e Geographico Brasileiro e um numeroso concurso de espectadores esperavam que S. M. I. chegasse para dar-se principio á exhumação. Ao meio dia em ponto chegou o augusto presidente e começaram os trabalhos. Cavando-se ainda um pouco com o fim de abalar a pedra, entraram em acção as alavancas e foi a lapida removida para o lado esquerdo sobre as taboas para esse fim collocadas, tendo-se o cuidado de conserval-a em posição paralella a primitiva, ficando seus lados menores no prolongamento das rectas, que primitivamente occupavam, no intuito de ter-se a medida exacta da sepultura e um guia seguro para a excavação. Isto feito reconheceu-se que a pedra descançava sobre o solo onde se não notava signal algum de carneiro, ou cova preparada, era portanto uma cova rasa. Procedendo-se a excavação na arêa deixada pela pedra e mais um palmo de cada um de seus lados, chegou-se á profundidade de dois palmos sem que se encontrasse nada mais do que terra; continuando-se porém a aprofundal-a encontraram-se n'esta segunda camada, que teria pouco mais ou menos a mesma profundidade, ossos de diversas regiões do corpo humano promiscuamente dispostos, alguns em duplicata indicando a existencia de mais de um esqueleto, envoltos em terra fofa, sem que se encontrasse em sua disposição o menor vislumbre das relações anatomicas, de tal sorte que junto a ossos da cabeça se encontraram os dos membros superiores e inferiores. Recolheram-se estes ossos em uma bandeja á medida que iam sendo encontrados e proseguiu-se na extracção da terra cavada. Estando a cova limpa, acreditou-se ter chegado ao seu fundo e concluida a excavação necessaria. Ao tirar-se porém as ultimas pás de terra solta, faltou o terreno debaixo de um dos pés do excavador no extremo da cova que fica para o lado da porta principal, continuou-se a excavação, e encontraram-se em um espaço talvez de do comprimento da cova reunidos e cercados por barro avermelhado muito socado os ossos seguintes: Quasi metade esquerda do frontal ligado no parietal, o 2.° dente molar inferior direito, nove fragmentos de vertebras, a clavicula direita, quatro cabeças esphericas das quaes duas pertenciam aos humeros, e duas aos femures, pedaços de humeros e cubitos, duas porções dos illiacos, fragmentos do pubis e ischions, pedaços de femures, tibias, peroneos, e calcaneo, havendo além d'estes muitos outros fragmentos osseos que não se puderam classificar com a certeza e evidencia dos primeiros. Collocaram-se em uma outra bandeja todos estes ossos. Estrahida a terra existente na sepultura reconheceu-se pela natureza do solo seus limites e deu-se por finda esta parte da pesquiza. Agora que tendes ouvido o que comigo vistes e observastes. passaremos a dar-vos conta do resultado a que chegamos pelo estudo feito sobre esses restos que tão recommendaveis se tornam á historia da nossa terra e ao reconhecimento e respeito de todos nós. Passamos a descrever esses ossos e a expôr-vos as bases em que scientificamente nos fundamos para as conclusões finaes. DESCRIPÇÃO ANATOMICA DOS OSsos. - Frontal. A porção encontrada d'este osso era quasi a sua metade esquerda ainda articulado com parte do parietal correspondente, notava-se na face externa d'esta peça ossea parte da sutura fronto parietal, a bossa frontal e arcada superciliar bem desenvolvidas, a arcada orbitaria e as apophyses do mesmo nome a interna um pouco desfeita, e a externa mais bem conservada; a chanfradura nasal percebia-se perfeitamente porém não se lhe notavam as suas dentilações, a bossa nasal era pouco desenvolvida, a face orbitaria do osso deixava aperceber parte da abobada da orbita e na sua região lateral se via bem desenhada a linha curva temporal abaixo da qual se encontravam restos da fossa do mesmo nome, na face posterior ao osso notava-se o sulco correspondente ao seio longitudinal superior terminando anteriormente nos restos da lamina da apophyse crista galli. O osso era mais espesso, os seios frontaes estavam destruidos, e não se percebia a chanfradura ethmoidal. Era esta peça de uma fórma irregular e de tão pouca consistencia que parecia ser formada unicamente pelas substancias inorganicas tendo desapparecido todo o tecido organico. Este era o estado em que se encontraram todos os ossos recolhidos da ultima camada. Nenhum outro osso da cabeça encontrámos de maneira a poder ser classificado; muitos fragmentos porém tinham signaes que faziam crer que pertenciam ao craneo. Dente.-02.° molar inferior direito que foi o unico achado n'esta camada apresentava a coroa pouco gasta e bem desenvolvida, o que indicava provavelmente uma idade superior a trinta annos e inferior a cincoenta. Vertebras. Os nove fragmentos d'estes ossos classificámos pela maneira seguinte: 1.° segunda vertebra cervical, ou axis reconhecida não só pelos caracteres communs d'esta classe como pelo que lhe é especial, queremos fallar do resto da apophyse odontoide que distinctamente se percebia; 2.° uma vertebra dorsal sem corpo com as apophyses transversaes desfazendo-se, porém permittindo o reconhecimento de suas facetas articulares para as costellas; 3.o tres outras das quaes se percebiam as apophyses espinhosas, as articulares, e as lamonas; 4.° dois corpos de vertebras dorsaes em cujos lados se viam as facetas que se articulam com a cabeça das costellas; 5. um outro corpo pertencente a uma vertebra cervical reconhecida pelos caracteres de suas faces superior e inferior; 6. a ultima vertebra lombar que assim classificámos em consequencia da altura da parte anterior do seu corpo, da inclinação da face inferior do mesmo, e pelos caracteres geraes da classe. Thorax. Não encontramos signal algum da existencia. de costellas nem tambem de sternon. - Membros Thoracicos. A clavicula direita existia se bem que muito alterada marcando a extensão de 0,14 cent. de comprimento. Duas cabeças esphericas mostravam signaes caracteristicos de pertencerem aos humeros, fragmentos de diversas dimensões indicavam visivelmente serem restos de humeros e cubitos, pois que distinctamente se percebiam |