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BERNARDIM RIBEIRO

E OS BUCOLISTAS

LIVRO I

A CORTE DE DOM MANOEL

A annullação do poder senhorial e a independencia da realeza no seculo XV, crearam uma poesia nova resultante da inercia parasita dos aulicos; esta manifestação do sentimento tinha de tornar-se forçosamente banal e, por assim dizer, um capricho da moda, uma prenda para parecer bem no paço. O numero incalculavel de versejadores, o lyrismo pessoal, a satyra sem elevação moral, caracterisam esse periodo comprehendido no Cancioneiro geral. No seculo XVI, por effeito da descoberta do Oriente, e da riqueza publica e do genio da especulação mercantil desenvolvido pelas expedições maritimas, tudo contribuiu para elevar a classe serva á altura de terceiro estado. Bastava encontrar-se em Portugal a manifestação das fórmas dramaticas,

para reconhecer a existencia da vida burgueza. A revolução moral da sociedade portugueza do seculo XVI fez-se sentir profundamente na poesia; em primeiro logar o entranhado animo do lucro absorveu todos os poetastros, e só se occuparam de poesia as verdadeiras vocações que não podiam resistir a um impulso espontaneo. O numero dos poetas torna-se incomparavelmente diminutissimo, mas esses poucos inspiram-se de um sentimento mais vasto, são individualidades que pairam sobre o seu tempo. As queixas banaes tornamse realidades; elles soffrem com verdade, porque estão deslocados, pobres platonicos, em uma época de prosa mercantil. D'aqui resulta uma tristeza vaga, que não é o queixume pautado pelos provençaes, mas a melancholia que inspira a arte moderna.

A poesia portugueza do seculo XVI lucta com as tradições das côrtes peninsulares, e com a corrente litteraria da antiguidade que nos vinha da Italia; egualmente fortes as duas tradições, uma pelo costume, outra pela fascinação e auctoridade, contrabalançaram-se e erigiram-se em duas escholas poeticas. A primeira, a que chamamos Eschola hispano-italica, conservou o metro octosyllabo e todas as fórmas exteriores da poetica hespanhola, mas deixou ás polemicas da côrte pelaspalestras bucolicas, que Theocrito inventára nos palacios de Syracusa sob o favoritismo dos Ptolomeus. Isto explica o modo como as coplas palacianas tendiam organicamente a tornarem-se idyllicas. A segunda, chamada Eschola italiana, adoptou o metro endecasyllabo,

ESCHOLA HISPANO-ITALICA

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e as fórmas usadas por Petrarcha, associando ás impressões pessoaes as maximas moraes da contemplação superior. A realeza da Europa chegára ao seu ideal de cesarismo; em Portugal ella protegeu aquelles que continuavam a versejar nos divertimentos do paço; isto fez com que, diante do lyrismo brilhante da eschola italiana, muitos fidalgos não quizessem admittir os novos metros e se aferrassem á imitação servil da poesia castelhana. Com o tempo veiu a dar-se a este partido de reacção o nome de poetas da medida velha. A eschola italiana não foi vencida, mas nunca chegou a popularisar-se; as suas obras estiveram ineditas até ao fim do seculo XVI. Esta circumstancia material sustentou por muitos annos a vida das fórmas bucolistas. Assim depois de ter estudado a lucta entre os Autos nacionaes e a Comedia classica, na Historia do Theatro portuguez, a lucta entre os Romances historicos e as epopêas academicas na Floresta de varios Romances, resta-nos completar este quadro historiando o modo como a poesia castelhana e a poesia italiana disputaram a posse da alma portugueza.

CAPITULO I

Os afamados serões de Portugal

A descoberta do Oriente e o commercio com a Italia, trazem o silencio dos poetas palacianos. Sá de Miranda, Garcia de Resende, Duarte da Gama e João Affonso de Aveiro, descrevem a dissolução da côrte, em que o mercantilismo substituia a galanteria. - Intrigas amorosas no paço. Dom João III e

o Conde de Castanheira.

Os Infantes D. Luiz e D. Duarte poetas. João de Barros tambem cultiva a poesia de Cancioneiro. A rainha Dona Leonor, viuva de Dom João 11, é que anima a côrte de seu irmão. - Gil Vicente refere-se aos poetas que no seu tempo floresceram na côrte. - Satyra contra os que usavam Cancioneiros manuscriptos. - Enumeração dos Cancioneiros manuscriptos do seculo xvi.

A influencia da poesia hespanhola tinha fatalmente de exercer-se sobre nós, apezar da fascinação da Renascença da Italia; no fim do seculo xv a Hespanha vira-se livre do poder mussulmano, e com a descoberta da America tornára-se a suprema nação da Europa. El-rei Dom Manoel, casando com tres princezas de Castella, tornava a lingua hespanhola a expressão da cortesia palaciana. Mas a proximidade do mar, as formosas barras da costa de Portugal, foram mais fortes, libertando-nos não só da subserviencia poetica, mas desmembrando de Hespanha esta nacionalidade, dando-lhe uma vida propria. Portugal com a descoberta da India, ficou como a Hespanha uma das grandes potencias do seculo XVI e assignalou a sua vida historica no mundo. A consciencia da nacionalidade portugueza começou n'este periodo de conquista; sentiram-na primeiro

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aquelles escriptores que visitaram o estrangeiro, (Resende, Goes) e veiu tomar a sua fórma eterna em Camões. Emquanto dependiamos espiritualmente de Hespanha, a influencia do meio material forçava o territorio do littoral a uma vida propria. Esta contradicção caracterisa a poesia da côrte de el-rei Dom Manoel; quando começou a restabelecer-se a harmonia, a fecundidade da nação foi esterelisada com a dura reacção contra as ideias da Reforma, de 1516. É por isso que nós vêmos Sá de Miranda, em uma Carta escripta depois de 1527, queixar-se do instincto mercantil e do demasiado interesse das riquezas da India e Brazil, que davam o ultimo córte na galanteria cavalheiresca:

Os mômos, os Serões de Portugal

Tam falados no mundo, onde são idos? (1)

O motivo da decadencia dos Serões do paço é conhecido pelo caracter selvagemente fanatico de Dom João III; falta só determinar a extensão d'esses certâmes poeticos, e penetrar por elles a vida intima de uma côrte que monopolisava em si a existencia da nação. Os poetas que andavam nas expedições e conquistas de além-mar, escreviam para o reino perguntando com saudade por novas dos Serões do paço. Garcia de Resende, mandando noticias de Almeirim a Manoel de Goyos, que estava por Capitão na Mina, escreve com

tristeza:

(1) Historia dos Quinhentistas, p. 12, 82.

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