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CAPITULO IV

Mythos da sociedade mosarabe - Lenda do

Abbade João

Canção do Figueiral

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Epopêas formadas pelas relações sociaes e politicas do godolite com o arabe. — A lenda do Abbade João, e o vestigio de um poema antigo. — Origem da Canção do Figueiral. — Criterio novo para comprehender este canto. - A lenda do tributo das cem donzellas e os reditos ecclesiasticos dos Votos de Sam Thiago.-Origens orientaes do tributo das donzellas. Esta lenda é propagada pelo clero em todas as terras que se recusavam a pagar os Votos. Recusa da Sé de Braga. Simancas, Carrião, Quirós, Peito-Bordelo, em Hespanha; Figueiredo das Donas junto a Viseu, Alfandega da Fé, Castro-Vicente, Chacim e Balsemão em Portugal, têm a lenda do tributo das Donzellas. PaEra popular no seculo XIII. ralello com a fórma que lhe deu Gonçalo de Berceo. - Musica popular da Canção, tirada do Cancioneiro do Conde de Marialva, que Brito viu e hoje appareceu em Hespanha. Paradigmas com os Romanceiros hespanhoes. Nova versão popular do Algarve. - Erros da critica sobre este nosso monumento litterario.

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Depois de havermos determinado os vestigios e elementos da poesia gothica e arabe que entraram na formação da poesia popular portugueza, importa reconstituir esses factos desligados, em uma synthese que nos revele a vida social da raça mosarabe. A natureza e a verdade se encarregaram de formar por si os poemas inspirados por estas novas relações; são muitas as lendas, os contos, as tradições que nos restam da communicação dos arabes com os godos em quanto á vida civil; embora pelo sentimento não fossem tão intimas

essas relações, a paixão da alma peninsular soube criar de collisões inconciliaveis o interesse de situações profundas. Conhecemos a lenda dos amores de Gaia, mulher do rei Ramiro com o mouro Abencadão; (1) a da Moura Saluquia; (2) a dos amores de Giraldo sem Pavor; (3) a de Mendo Vasques de Briteiros; (4) a de Soror Rosimunda, abbadessa de Arouca; (5) e na tradição hespanhola, a lenda romanceada da Julianeza, da Moraima, do Moro Galvan. Todos estes poemas tradicionaes parecem desmentir o caracter semita dos arabes; por elles se vê que os godos e os arabes em todas as classes se entenderam sentimentalmente. N'este ponto a historia está de accordo com a poesia.

Como resultado d'esta nova phase da vida social tomamos para a analyse dois poemas antiquissimos, um quasi obliterado e já sem fórma poetica, outro corrompido pelas versões oraes, em que ainda apparece o odio entre a cruz e o crescente, circumstancia devida á sua origem monachal: é o primeiro a Lenda do Abbade João, e o segundo a Canção do Figueiral. Nos cantos puramente populares não existe este odio, esta sêde de É sangue. esta uma caracteristica infallivel da creação

anonyma.

(1) Prologo da edição da Gaia, de João Vaz, p. v. Ediç. de 1868.

(2) Introducção á Historia da Litteratura, p. 58.
(3) Vid. supra, p. 96.

(4) Cancioneiro popular, p. 202.

(5) Jorge Cardoso, Agiologio Lusitano, t. 1, p. 153.

Nos primeiros seculos da monarchia, os feitos do Abbade João contra os sarracenos, occuparam as tradições locaes e os poetas cultos. Pouco se sabe da existencia historica d'este personagem; era irmão de Dom Bernardo o Diacono, filho bastardo de Dom Fruela, ir-· mão de Dom Affonso, o Catholico. Floresceu este prelado pelos annos de 815, e renunciou em Theodomiro, sendo conhecido pelo nome de Abbas borbanensis. (1) A lenda das suas façanhas, que chegou até nós, toca o extremo da barbaridade gothica; parece que se lê uma devastação dos Niebelungens. Eis como ella se encontra em um thesouro de contos moraes, intitulado Itinerario historico: «não menos admiravel é o que succedeu... em Coimbra, do reino de Portugal, em cuja fortaleza se recolheu grande parte dos Cavalleiros e Capitães com suas mulheres, filhos, e fazenda, para se defenderem dos Mouros, os quaes vieram contra elles com o seu rei Almançor de Cordova, com cem mil combatentes, com designio de extinguir aquella diminuta centelha que havia ficado viva, da lei santa de Christo. Trez annos resistiram os valerosos cavalleiros á immensa mourisma, que com tão prolixo cêrco os affligia, tendo por caudilho a santa Virgem, cuja imagem veneravam em uma capella, por ordem do Abbade de Sam Bento, chamado João, que era como seu capitão que os commandava; o qual vendo-os consummidos, sem ar

(1) Amador de los Rios, Hist. crit. de la litteratura espanhola, t. IV, p.

114.

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mas e sem victualhas, e que se não era milagroso era impossivel defender mais a fortaleza, juntou os cabeças e representando-lhes o perigo, que seus filhos e suas mulheres haviam de caír em poder dos infieis, e muitos por sua fraqueza deixariam a fé de Christo, que seria acertado matal-os, e ao pouco gado que restava, e saír aos Mouros e vender as vidas a preço das d'elles. Todos abraçaram este conselho, e apunhalaram suas mulheres e filhos; pegaram fogo ás fazendas e gados, e saíram denodados contra os Mouros, nos quaes fizeram tantos estragos, que mataram noventa mil, e colheram grandes despojos. Voltaram victoriosos ao castello, ainda que pesarosos pela morte das mulheres e dos filhos; porém consolou-os Deos, porque chegando á porta, saíram a recebel-os, cantando em procissão, ressuscitados pela Santissima Virgem, em cujo collo, e assim no de todos estava o signal colorido da ferida, para memoria do milagre; pelo que, e pela victoria, prostrados ante a sua imagem, derramando doces lagrimas de goso e alegria, renderam as devidas graças, como á auctora de tamanha maravilha.» (1) Esta mesma lenda existe

(1) P. Alonso de Andrade, Itinerario historial, p. 586, col. 1. Ediç. de Lisboa de 1687. Em seguida transcrevemos um documento legal sobre a: INSTITUIÇÃO DAS FESTAS DO ABBADE João:

Dom João, por graça de Deos rei de Portugal e dos Algarves, d'áquem e d'álem mar em Africa, Senhor de Guiné, etc. Faço saber a vós Juiz de Fóra, Vereadores e Procurador da Comarca da villa de Monte Mór o Velho, que se viu a vossa conta em que me representastes, que os moradores d'essa villa

na tradição hespanhola attribuida a Dom Garcia Ramirez; em Portugal recebeu o conto do Abbade João fórma poetica, a qual era ainda conhecida em 1340, por que nas estrophes que restam do poema da Batalha do Salado, por Affonso Giraldes, se lê:

Outros falam da gran razon
De Bistoris, gran sabedor,
E do Abbade dom João

Que venceo Rei Almanzor. (1)

Na Dedicatoria do Cancioneiro geral, Garcia de Resende refere o motivo da sua colleccionação, por cau

celebravam todos os annos o portentoso milagre que obrára com os seus maiores a sanctissima mãe de Deos, com titulo da Victoria; pois sendo degolados pela direcção do Abbade João, tio de el-rei Ramiro, todos os velhos, mulheres e meninos, por não caírem nas mãos dos Mouros, que tinham cercado o castello d'essa mesma villa, antes dos catholicos que defendiam o castello saírem a pelejar com os barbaros, alcançando d'estes um maravilhoso triumpho, acharam depois da batalha ressuscitadas todas as pessoas que tinham degolado; conservando-se na garganta o signal das feridas, que se continuaram muito tempo em algumas familias d'essa villa, e de todo o referido houvera sempre tradição immemorial continuada successivamente de paes a filhos; por cujo motivo não só se repetia a 10 de Agosto a memoria d'estes prodigios; porém esta soberana Virgem era a protectora a quem essa mesma villa recorria em todas as suas necessidades, nas quaes tinha mostrado muitas vezes o poder, e a piedade do seu soberano patrocinio, e que estas patentes e sagradas circumstancias persuadiram muitas pessoas d'essa villa a que tomassem por padroeira d'ella a Senhora da Victoria, e assim o requereram a essa Camara, e que esta a festejasse com esse titulo e fizesse numerar esta festa entre as suas por cuja rasão vos resolvereis a convocar toda

(1) Brandão, Monarchia Lusitana, t. iv, f. 26.

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