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sodios da descida de Ulysses e Enéas ao inferno-se teve por modelo o Tesoretto do seu mestre Brunetto Latini, ou as visões, lendas e poesias dos seculos XII, XIII e principios do xiv-questão he esta que eu não julgo dever tratar, pois que em todo o caso ficou o nosso poeta sem rival na carreira que percorreu.

Ponderarei apenas que, seguindo eu no anno de 1830, em París, as eloquentes e doutas lições do Curso de Litteratura de M. Villemain, disse o illustre e sabio Professor, em pleno auditorio, que recebêra uma carta de um dos seus ouvintes, na qual era censurado por não haver indicado a fonte principal a que o Dante fôra beber, isto he, ás poesias de Fra Jacopone. M. Villemain confessou que taes poesias não havia lido; mas que, depois d'aquella censura, se pozéra a lê-las, e ficara convencido de que o Dante as não conhecêra tão pouco, ou pelo menos não necessitára de 'tirar d'ellas cousa alguma para o seu immortal poema. Talvez désse logar á idéa de que o Dante imitára Fra Jacopone-a circumstancia de que alguns dos canticos d'este teem a fórma de visões; por exemplo, em um d'elles ha um defuncto que resuscita, vem praticar com os seus herdeiros, e reprehendê-los por não terem pago as esmolas que promettêrão pelo repouso da sua alma: os parentes respondem-lhe com dureza. Aqui e acolá encontra-se alguma força na pintura das miserias humanas; mas nada se divisa que pareça ter inspirado o Dante.

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Julgo conveniente apresentar aqui algumas observações geraes ácerca da Divina Comedia, que não poderão ter cabimento no capitulo antecedente.

Alem dos encantos do estylo, e da arrebatadora graça de dicção do poeta florentino, temos tambem que notar a moralidade da sua obra. Vêde o religioso respeito com que elle venera a virtude-o enthusiasmo com que rende homenagem ao genio dos grandes poetas e sabios da antigui'dade-o tributo de estima, que paga a todas as bellas e generosas qualidades dos cidadãos que bem merecêrão da pa'tria-a severidade com que castiga os vicios e os crimes— ́a escrupulosa imparcialidade com que pela maior parte julga amigos e inimigos. Abstrahindo pois das ficções poeticas, pondo de parte um sem numero de finissimos episodios, e as bellezas do estylo e linguagem, que tanto fazem brilhar o seu poema-ainda assim mesmo excita sympathias uma obra que parece um codigo de moral sublime (1).

Na Divina Comedia não ha, rigorosamente fallando, uma acção, não ha uma paixão, não ha um heroe, que excite o

́(1) Alguns commentadores modernos chegárão até a formar com o Inferno e com o Purgatorio um todo de disposições penaes, ao qual derão a designação de Codigo Penal de Dante. Em occasião opportuna desenvolveremos este ponto.

enthusiasmo, e inspire o interesse que nos prendem e captivão nas verdadeiras epopéas. No entanto eu não sei se o Dante nos deve parecer antes o proprio heroe do seu poema, do que o espectador das scenas que descreve, dos successos que refére. E com effeito, quando vemos o poeta penetrar, cheio de susto, na lugubre morada das dôres eternas,—susto que nem sequer se desvanéce, quando Virgilio lhe declara que Beatrice o envia para lhe servir de guia; susto, a tal ponto intenso, que o Mantuano he forçado a dizer-lhe severo: «¿Que he isto? Porque, porque páras tu? Para que dás entrada em teu peito a um tão cobarde receio? Porque não cobras tu alento e confiança, pois que tres mulheres bemaventuradas tomão cuidado de ti na Côrte do Céo ?!»

Dunque che è? perchè perchè ristai!
Perchè tanta viltà nel core allette?
Perchè ardire e franchezza non hai,
Poscia che tai tre donne benedette
Curan di te nella Corte del Cielo

E 'l mio parlar tanto ben t'impromette?

quando vemos as-difficuldades que lhe he mister vencer para ir passando de um para outro circulo; a maligna resistencia que os demonios oppõem á vontade soberana de quem lhe permittio devassar aquelles logares, já fechando violentamente as portas do Inferno, já correndo sobre elle para o despedaçarem, já enganando-o para o fazerem perder-se no labyrintho infernal; quando vemos, digo, o poeta no meio de tantos perigos... a tal ponto nos fascinão as suas ousadas ficções, que involuntariamente nos interessâmos, e quasi nos sensibilisâmos pelo mystico viajante.

O douto e atilado author da Viagem Dantesca, M. Ampère, na occasião em que vae descrevendo o Valle do Arno, e chega à torre de Porciano, faz algumas ponderações que mostrão bem o quanto devemos considerar Dante como o verdadeiro heroe da sua immortal epopea:

«Mais adiante está outra torre, a de Porciano, que se diz ter sido habitada pelo Dante. D'ali tinha eu ainda que subir ás alturas de Folterona. Puz-me a caminho por volta da meia noite, para chegar lá antes do nascer do sol; e ia

dizendo comigo: quantas vezes não vagueou por estas montanhas o poeta, cujas pisadas eu vou seguindo! Por estas veredas alpestres ia elle e vinha, quando se transportava á morada dos seus amigos da Romania, ou do Condado de Urbino, com o coração agitado por uma esperança, que jámais se havia de realisar. Punha na minha imaginação o Dante, caminhando com um guia, ao clarão das estrellas, recolhendo todas as impressões que são inspiradas pelos logares agrestes e asperos, pelos caminhos escarpados, pelos valles profundos, pelos accidentes de uma jornada longa e penosa,—impressões que era natural transportar para o seu poema. Bastaria ter lido esse poema, para conhecer que o seu author viajou e vagueou muito. Dante marcha e anda verdadeiramente com Virgilio; cança-se a subir, pára a fim de tomar fôlego, ajuda-se com as mãos quando os pés não bastão; perde-se, pergunta pelo caminho; observa a altura do sol e dos astros: em uma palavra, descobrem-se os habitos e as recordações de viajante em todos os versos, ou antes, em todos os passos da sua peregrinação poetica.

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Ainda não he tudo: quando o Dante nos pinta com o seu magico pincel todos esses horrorosos supplicios, todos esses carregados e sombrios quadros que levão a perturbação ao fundo d'alma; ou quando no Purgatorio começâmos já a entrever as risonhas côres da bemaventurança do Paraiso; no meio de todos estes phantasticos objectos, apparece sempre a graciosa imagem do poeta, que nos falla das suas esperanças e da sua gloria, dos seus infortunios e dos seus pezares. N'esta parte assimelha-se elle ao immortal Milton, quando tambem, através de engenhosas ficções da mesma natureza que as do Dante, nos enternéce com a narração dos seus desgostos: «Voltão as estações e os annos, nos diz o cego vate de Albion em um dos cantos do Paradise Lost, voltão as estações e os annos; mas a luz não volta aos meus olhos; já não vem consolar-me as risonhas côres da tarde e da manha; já não vejo os botões da primavera, nem as rosas do verão; a belleza do semblante do homem, onde o Creador imprimío os divinos traços da sua similhança, já não vem tocar a minha vista... Ah! espessas nuvens me rodeião, cerca-me uma noite sem fim!...»-E esta imagem de um nosso

similhante, diz o eloquente M. Villemain, collocada por entre o maravilhoso poetico, enternece-nos e attrahe-nos, como nos attrahiria o accento de uma voz humana, ouvida no meio de uma natureza encantadora, mas despovoada de creaturas.

Em confirmação de algumas das idéas que havemos apresentado n'este ponto especial de que iamos tratando, citaremos a opinião muito valiosa de um homem que estudou profundamente o Dante; queremos fallar de Ugo Foscolo. Diz elle: In tanta moltitudine d'episodi, e di scene d'infinita. diversità nella lunga azione della Divina Commedia, il primo, unico, vero protagonista é il poeta. E mais adiante: Ma Dante, oltre che rappresenta mondi ignotissimi alla natura esistente, vi si mostra l'unico creatore, e vuole apertamente ed opera si che ogni pensiero e ogni senso connesso a quelle representazioni sia destato e diretto da lui.=

Tem-se dito que a Divina Comedia se torna fastidiosa em differentes passagens, por causa das grandes discussões de philosophia escholastica, e das longas exposições de doutrina, theologica, as quaes fatigão a attenção do leitor, e derramão sobre aquella obra immortal o enfado e a displicencia. Em verdade são estes objectos, por sua natureza, estranhos a um poema epico, e tornarão em todos os tempos languida qualquer producção de similhante especie, na qual um poeta os introduzir; no entanto he mister transportarmo-nos pelo pensamento ao seculo em que escreveu o Dante, e considerar, que embora nos pareça hoje mal cabida, insípida, e enfadonha aquella apparatosa erudição, não era assim no seculo xiv, durante o qual a theologia for a luz dos espiritos, a flôr e a essencia da sabedoria, um todo cheio de encantos, uma sciencia aprazivel e veneranda, e n'este sentido devia a Divina Comedia ser tida como uma fonte inexhaurivel de instrucção, como um deposito de bons e agradaveis conhecimentos.

E tanto he isto assim, que logo depois da morte do Dante se multiplicárão por toda a Italia as copias do seu immortal poema, e como por encanto apparecêrão commentarios a uma producção de tamanho merecimento. O Arcebispo e Senhor de Milão, João Visconti, encarregou no anno de 1350 seis sabios (dois theologos, dois philosophos, e dois antiqua

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