N'este mesmo romance dá-se a distincção feudal de sentar á meza como signal de egualdade. Como se elevaria o povo a esta identidade de symbolos, se o sangue godo e o primitivo genio epico o não animasse? O romance de Joãosinho o Banido, faz lembrar a velha epopêa de Hildebrand, não pelo lado da vingança, mas pelos errores do perseguido que não acha repouso em parte alguma. Negam-lhe tecto, lar e agua, como na penalidade germanica. Em um romance hespanhol, tambem se encontra o mesmo systema de penalidade: Por una lengua diffamada O romance açoriano, que começa: Eu bem quizera, senhora, é um vestigio remoto dos poemas de Sigurd; alí se vê um cavalleiro que procura falar com uma donzella defendida por barreiras insuperaveis; estava assim Brunhilde para Sigurd, em quanto se não quebrou o (1) Ochôa, Tesoro, p. 30. Vid. Cantos Açorianos, p. 414. encantamento; a leôa é o mesmo que o lobo Fafnir; os dois irmãos que ella tem são Hagen e Gutorm, irmãos de Gudrune, por quem Brunhilde foi abandonada. O valor marcial da Donzella que vae á guerra é tambem uma tradição das Walkiries, como Brunhilde. O symbolo germanico da abjuratio terræ fórma a acção de romance insulano Dona Maria. (1) As armas temperadas no sangue de um dragão, como na poesia scandinava, vem citadas no romance hespanhol do Infante Vengador: Siete veces fue templado En la sangre de un dragon. (2) Que é o romance do Rico Franco senão o retrato de um Barão da baixa edade media, senhor absoluto no seu castello roqueiro, gosando com toda a bestialidade indomavel do maritagio? Quando o povo da Peninsula deu fórma poetica ás suas tradições, já este typo feudal estava mais humanisado. O juramento pela barba é tambem frequente nos romances populares. Diz Michelet: «O juramento pela barba, ou tocando a barba não se encontra nas leis, mas sim muitas vezes nos poemas, principalmente nos do cyclo carlingiano.» (3) . Cantos do Archipelago, n.o 43, p. 435. (2) Ochoa, Tesoro, p. 6. (3) Origines, p. 334. Quando o Marquez de Mantua vê seu sobrinho morto, e jura vingal-o: Las barbas de la su cara Juro por Dios poderoso O elogio ao cavalleiro valente era chamar-lhe barba comprida: Mereced ya, Cid, barba tan complida. A mão descoberta levantada para o ar, como signal de juramento, encontra-se em um costume de Reims; (5) em um romance hespanhol vem: Na sentença dada no tempo de Dom Sancho II, para determinar os limites entre a Covilha e Castello Branco, praticou-se esta fórma do juramento, usada nos romances populares: «Feito isto, todos os de Castello Branco erguerão as mãos para o céo, e farão perante Deos a promessa de observar e manter para sempre tudo quanto n'este accordo se contem.» (1) No direito consuetudinario do Rheno, não se devia enterrar o cadaver emquanto a sua morte não fosse vingada ou compensada a dinheiro. (2) No romance de Marquez de Mantua dá-se o mesmo: Prometo de no enterrare El cuerpo de Baldovidos Hasta su muerte vengare. (3) Nas epopêas da edade media era á mesa que se dccidiam as mais serias questões; os lances mais terriveis dos Niebelungens passam-se á meza. Em um romance hespanhol, e no do Conde Alarcos, portuguez, se conserva a mesma tradição: Logo se assentó a comer, (1) Herculano, Hist. de Port., t. iv, p. 444. (2) Michelet, Origines, p. 320. (3) Ochôa, ib., p. 19. (4) Idem, ib., p. 27. O symbolo do pão constituia a confraternidade heroica dos germanos: Aqui, aqui los mis doscientos, A palavra porto, que nos poemas da edade media apparece no sentido de desfiladeiro, passagem difficil, conserva-se ainda nos cantos tradicionaes da Peninsula: Nunca lo echaran menos A la entrada de un puerto, Se estes factos ainda não bastam para deixar em evidencia a origem germanica dos cantos populares portuguezes, privativos da raça mosarabe, temos outras analogias mais intimas, tiradas das proprias designações poeticas. Os velhos poetas allemães empregam indistinctamente as palavras sagen e singuen, significando dizer ou cantar; (3) o queda islandez tem o meşmo sentido duplo; o Ruolandes-liet, o poema de Gutrun, o Parzival de Eschembach, empregam dizem e cantam. (4) Na linguagem popular a palavra cantar em (1) Ochôa, ib., p. 61. (2) Ochôa, ib., p. 55. Historia do Direito portuguez, p. 44. Du Meril, Hist. de la Poesie Scandinave, p. 290. |