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Um relampago fusilou nos olhos do joven elegante. Ergueu-se, e, com o sobr'olho franzido, disse, voltando-se para o reître:

-Amigo, guardae o vosso Pantagruel para os ministros parvos, que vos aturam, mas cautella comigo!

A esta provocação seguiu-se uma gritaria diabolica, o reître levantou-se praguejando, e levou a mão ao punho da espada, o elegante agarrou n'um pichel despejado, Boutefeu deu murros em cima da mesa para restabelecer a ordem, e a voz esganiçada do ministro não cessava de gritar uma oitava acima: -Philisteus! Manicheus! adoradores do bezerro de oiro, seguidores de Absalão! Ronsard, um papista façanhudo! o amigo do duque de Orleans! Rabelais! um atheu!

A custo se acalmaram com a intervenção dos subalternos; mas, como as paixões, excitadas no mais alto grau, não podiam de subito extinguir-se, sem devorarem um alimento qualquer, os picheis despejaram-se de novo, e o reître, erguendo-se vacillante, bradou:

-Que diabo de gente somos nós? Ceiamos aqui, sem ter quem nos sirva á mesa! L'homme seul n'a jamais soulas, como diz Panurgio. Não somos nós francezes? Com mil demonios a portugueza, que venha! -Uma papista! bradou o ministro, erguendo os braços ao céu.

-Leve a bréca os escrupulos! Fosse ella Turca! Convertemol-a.

1 Que foi depois Carlos IX.

-Apoiado! apoiado! bradaram todos rindo.

-Bem fallado, messer Pillard, exclamou o elegante, venha essa demoiselle, que o nosso illustre chefe Villegagnon protegia com tanto recato. DirThe-hei madrigaes de Ronsard.

Donc, si vous me croyez, mignonne
Tandis que votre âge fleuronne

En sa plus verte nouveauté.

É um anjo do céu, disse timidamente uma voz, é a Providencia dos feridos.

-Será tambem a nossa, tornou o amador de madrigaes, virá curar as feridas que os seus bellos olhos fizeram nos nossos corações.

-E o que dirá Mr. de Villancey? murmurou o Suisso.

----Que venha ceiar comnosco, respondeu o reitre com um riso sarcastico.

Mas d'esta vez o riso não encontrou echo. O remorso ainda conseguira entrar n'esses espiritos, não de todo estonteados pelos fumos do vinho. Todos estavam costumados a venerar a immaculada castidade e as virtudes christas da prisioneira, qne, sósinha no meio d'esses homens ferozes, soubera impôr-lhes respeito, conquistando-lhes o affecto.

Mas n'essa noite todas as cabeças estavam exaltadas, e mais dois ou tres picheis de vinho, os brados ridiculos do ministro que chamava å prisioneira Jesabel impura, os ditos grosseiros do reître, e principalmente a perspectiva da morte, que incita os homens de guerra a saborearem depressa os gosos

da vida, que d'um instante para o outro póde findar, demoliram os ultimos escrupulos. D'ahi a meia hora luziam as espadas ao clarão dos fachos, e os calvinistas bebados disputavam entre si, com os olhos em fogo, sem ninguem se entender.

-Não vos contamineis com o contacto da Jesabel impura; matae-a e lançae-a aos cães, porque ella será causa da perdição de Israel, bradou o feroz ministro; é uma papista, que cerra os ouvidos á voz dos apostolos. Purificae o templo com o gladio. Lembro-vos o que o nosso mestre Calvino diz na sua obra: Defensio orthodoxæ fidei, ubi ostenditur hereticos jure gladii coercendos esse.

Ninguem felizmente ouvia os gritos do fanatico ministro. É verdade que os distraia uma obra mais nefanda talvez.

-Mas onde estará mr. de Villancey? tornou timidamente o Suisso.

-Não sabeis o proverbio? respondeu o diabolico retire.

C'est un gentilhomme de Beauce

Qui est au lit quand on refait ses chausses.

Uma gargalhada acolheu o dito. O epigramma ti. nha duas pontas, porque Villancey era natural de Beauce, e, homem de bem e mais scismador do que activo, adquirira poucas riquezas n'esse paiz que fora um Eldorado para os seus companheiros.

Mas a ironia infernal do reître vencera o ultimo escrupulo ou o ultimo receio dos seus companheiros. A algazarra voltou mais estrondosa, e, apezar dos gritos do ministro, das tentativas apaziguadoras do

Suisso, aquelles homens ferozes não desistiram da sua idéa.

-Ao baluarte das Palmeiras! bradaram todos. Ahi estava situado o quarto, que, por ser isolado do resto das habitações, Villegagnon concedera à sua prisioneira.

Sairam os huguenotes em tropel, levando os archotes. Ficou só na sala o feroz ministro.

A passagem d'este bando tumultuoso acordou alguns soldados, que dormiam, deitados no chão.

Uns juntaram-se a elle, outros, revocados á vigilancia por este despertar repentino, subiram ás muralhas.

O reitre e os seus companheiros entraram no baluarte, e dirigiram-se ao quarto da prisioneira. A porta estava fechada.

Pillard deu um passo à retaguarda e atirou-se a ella com uma força titanica. Mas a porta era de boa madeira do Brazil, não cedia facilmente. Apenas a fechadura gemeu no seu engaste.

Pillard preparou-se para dar segundo empuxão. Mas quando ia a fazel-o, soltou um grito de raiva. Sentira-se preso por um vigoroso pulso.

Ouvindo o grito do seu companheiro, todos se voltaram com espanto. Um homem, novo ainda, estava diante d'elles de sobr'olho franzido.

-Mr. de Villancey! murmuraram os calvinistas abaixando a cabeça.

IV

O combate

O novo actor, cuja chegada havia produzido uma impressão tão forte no animo dos embriagados, era um rapaz de vinte e cinco annos, pouco mais ou menos, alto e bem feito, pallido, com os olhos negros e rasgados, scintillando na sombra que lhe projectava no rosto a pluma branca do seu gorro. Vestia singelamente, mas com suprema elegancia. O gibão era de panno, mas bordado com enfeites de seda, os calções, de panno tambem, sumiam-se no cano alto d'umas botas de coiro envernizado, que, substituindo os sapatos, davam ao airoso vulto, que as calçava, uma apparencia verdadeiramente militar. Envolvia-se n'uma capa, cujas dobras, passando-lhe por baixo do braço direito, iam cair desdenhosamente sobre o hombro esquerdo, e cuja fimbria se levantava para deixar passar a ponta da bainha luzente da espada.

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